Nos encontramos pela primeira vez há alguns meses atrás. Sem dar muita bola um para o outro, imaginávamos que um dos dois logo sumiria, como de costume. Mas isso não aconteceu; com o tempo, acostumamos com a presença um do outro.
Nos encontrávamos praticamente todos os dias, pois inevitavelmente frequentaríamos o mesmo lugar. Ela estava sempre no mesmo canto, sozinha, apenas variando suavemente de posição. Sabiamente isolava-se de uma forma que eu não podia toca-la, ao menos sem sair da minha própria rotina. Poucas vezes chegamos próximo o suficiente para um contato; e nestas raras ocasiões eu apenas cuidava para não perturba-la. Nunca trocamos uma palavra sequer.
O tempo continuou a passar e o que era apenas uma familiaridade passou a se tornar uma espécie de respeito mútuo. Cuidávamos um do outro, cada um a sua maneira. De tempos em tempos eu a procurava com os olhos e me tranquilizava toda vez que a encontrava, quieta e sozinha, no seu canto habitual. Mesmo sem jamais termos diretamente direcionado nossas ações um ao outro, nos relacionávamos.
Este ser com que convivi durante os últimos meses era uma frágil aranha, de pernas finas e compridas, que elegeu o canto do meu quarto onde guardo algumas tralhas como seu lar. Sem nunca causar nenhum tipo de transtorno (a pouquíssima sujeira era concentrada em um ponto bastante específico), alimentava-se dos insetos voadores que estão sempre a zunir e incomodar, fazendo-me grande favor. Por isso tomava todos os cuidados para não afasta-la de lá. Eu gostava dela.
Porém hoje a nossa rotina foi perturbada. Ansioso com o sol que não se revelava há dias, resolvi abrir a janela do quarto logo após acordar. Evento raro, pois sequer costumo abrir esta janela, ainda mais durante a semana. Suponho que tamanha claridade em um momento tão incomum tenha afetado a aranha, que resolveu esconder-se em um ambiente que julgou mais acolhedor naquela hora: o banheiro.
Pois quando retornei do trabalho e fui tomar um banho, lá estava ela ela, presa no box junto comigo, desesperada com tanta água. Tentei remove-la para um lugar mais seco, mas ela orgulhosamente rejeitou minhas ofertas de ajuda. Por fim, após uma sequência de más decisões, acabou cedendo naquele ambiente que subitamente tornara-se tão inóspito.
Assim perdi uma discreta companheira, pela qual estranhamente me vi apegado. Não sei bem porque resolvi escrever este texto, se em memória da minha amiga silenciosa, ou se pela perplexidade que fiquei ao me sentir triste depois de me dar conta de que ela não estará mais naquele canto que eu já havia atribuído a ela. É curioso como os sentimentos e relações são tão mais sutis do que julgamos.